30.5.13

Cenas da Floresta

Ouvindo Artur Pizarro pelo serão fora.


Crónicas do Rio, por Jorge Rodrigues

MARK ROTHKO (ANTÓNIO FAGUNDES) EM CENA

© Ivan Abujamra (daqui)

Numa - sempre rápida demais - estada na cidade maravilhosa, fui informado pelo meu amigo José de Ataíde de que estava em cena no Teatro Ginástico Português, agora denominado Teatro SESC Ginástico, a peça Vermelho, de John Logan, representada por António Fagundes. Claro que a presença deste actor no elenco me deu logo vontade de ir ver.
Bem como, confesso, a curiosidade de poder visitar um teatro cuja existência se deve a um clube urbano - a Real Sociedade “Clube Ginástico Português” - que surgiu por iniciativa de dois irmãos imigrantes portugueses (João José Ferreira da Costa e António José Ferreira da Costa) e que foi simbolicamente fundado a 31 de Outubro de 1868, dia do aniversário do rei D. Luís I. Este clube nasceu com o objectivo de "dinamizar as atividades esportivas, artísticas, culturais e sociais, promovendo a integração da Comunidade Luso-Brasileira" e tornou-se tão importante que teve a sua sede visitada pelo Imperador, D. Pedro II.
Actualmente o GCP sedia-se na Av. Graça Aranha, bem no centro do Rio de Janeiro, num edifício art-déco inaugurado em 1938 - edifício que, muita atenção, albergou a primeira piscina elevada da América do Sul!
O Teatro Ginástico Português, com entrada pelo piso térreo, foi inaugurado a 4 de Novembro de 1938 com a obra Iaiá Boneca, de Ernani Fornari. Durante a sua história acolheu os grandes nomes do teatro e da música brasileiros, bem como inúmeros artistas portugueses. A sala foi reformada pelo SESC em 2002 e reabriu com o nome Teatro SESC Ginástico. SESC é sigla de Serviço Social do Comércio.
O teatro acolhe agora, como eu já disse, a peça Vermelho de John Logan, onde estão frente a frente, como únicos actores, António Fagundes e o seu filho Bruno Fagundes, cerca de quarenta anos mais novo. A acção decorre no estúdio de Mark Rothko e centra-se no ano de 1958, durante parte do qual o pintor trabalhou numa série de imensos painéis para decorar o conhecido restaurante “Four Seasons” de Nova Iorque. Rothko acabou, como se sabe, por rejeitar a importantíssima encomenda, mas o que mais interessa neste trabalho é a dialéctica que se instala logo desde o início entre o consagrado artista e o seu jovem assistente Ken, aspirante a pintor, e com ideais muito próprios de uma outra geração. A encenação, dinâmica e imaginativa, é de Jorge Takla.
John Logan, nascido em 1961, é um conhecido e conceituado dramaturgo e guionista de cinema, teatro e televisão norte-americano. O seu trabalho mais visível tem sido no cinema (escreveu os guiões de Gladiator, The Aviator, Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, Hugo, Skyfall, entre outros), embora fosse já um dramaturgo de sucesso quando enveredou por esta actividade. Em 2009 Logan regressou aos palcos precisamente com esta peça (Red, no original) sobre o pintor Mark Rothko, que se estreou em Londres nesse mesmo ano.
A peça, no Rio de Janeiro, apresentou em palco o pai, António Fagundes (actor conhecidíssimo pelo público português, na televisão, sobretudo, mas também nos palcos), ao lado do filho Bruno Fagundes. Isto proporcionaria leituras suculentas, duelos excitantíssimos, despiques apetecíveis (os confrontos possíveis a vários níveis: Actor Consagrado / Actor Principiante; Pintor Consagrado / Pintor Aprendiz; Pai / Filho) que não me interessa aqui esmiuçar. O que interessa é que foi uma grande noite de teatro, com sala esgotada, onde uma vez mais se provou que basta “acender-se” um actor em palco para haver teatro.
O que interessa fazer também ressaltar, uma vez mais, é que, em minha opinião, e ao nível da representação, algum do melhor teatro em língua portuguesa continua a praticar-se no Brasil.
No final da peça, António e Bruno Fagundes anunciaram ao público que estariam disponíveis para trocarem algumas impressões depois de rapidamente se desmaquilharem. Foi extremamente interessante este contacto directo, e didáctico, pois ambos os actores tentaram, de uma maneira exemplar, isto é sem qualquer traço de soberba intelectual, situar a obra e a importância de Mark Rothko.
Foi bom, e foi também bom ver um artista corajoso virar-se para o público e dizer: "Vocês queixaram-se tanto pelo preço dos bilhetes que neste momento estão companhias a não poder trabalhar no Brasil! O teatro é um espectáculo caro, e mesmo com casas consecutivamente cheias como esta, não poderíamos pagar os custos de produção desta peça, se ela não fosse apoiada. Dão-se 750 Reais para ir ver os grandes espectáculos de wrestling, que esgotam, e há queixas por se pagar 35 Reais para ver teatro!"
Ninguém ralhou, rosnou, ou tossiu. No fim só houve aplausos. Muitos.

Jorge Rodrigues

29.5.13

Há 100 anos

Le Sacre du Printemps (imagem roubada aqui)

Foi um escândalo no Théâtre des Champs-Élysées. Os Ballets Russes de Diaghilev apresentavam "Le Sacre du Printemps", com música de Stravinsky, mudando para sempre o rumo da História da Dança. E da Música.
A Sagração da Primavera sugere a celebração de um rito ancestral, culminando no sacrifício da jovem escolhida, que dança até à morte, como forma de agradecimento pelo despertar da Natureza.

A reconstituição da coreografia original de Nijinski permite-nos ter uma ideia do que foi afinal uma das criações artísticas mais marcantes do modernismo na segunda década do século XX. Tão moderna foi, que continua a sê-lo.

21.5.13

Comemorações

arte)


Dois concertos comemorativos do bicentenário de Richard Wagner a ver em directo de Dresden e quase em directo de Bayreuth.
Hoje, às 20h00, Christian Thielemann e Jonas Kaufmann.
Amanhã, dia 22, às 21h25, novamente Christian Thielemann, mas com Eva-Maria Westbroek, Johan Botha e Kwangchul Youn.

20.5.13

Medicina Dolorum

E já está disponível a Sonata K. 15, com a qual José Carlos Araújo terminou o recital. Será uma obra-prima de Carlos Seixas ou foi a magnífica interpretação de José Carlos Araújo que me plantou aquela humidade nos olhos? Suponho que os demais espectadores estavam igualmente emocionados quando soaram as últimas notas. Pela parte que me toca, nunca uma peça para cravo me tinha deixado naquele estado.

Ora ouça:


19.5.13

Jardinar

Primavera, de Pieter Brueghel, o Jovem (© artdaily.org)

O som dos cravos

Na passada quinta-feira aconteceu o último recital do ciclo de cravo de José Carlos Araújo na Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves. José Carlos tocou a primeira parte do programa, inteiramente dedicado a obras de Carlos Seixas, no seu cravo (Andrew Wooderson, Bexley, 2004, segundo o original de Ioannes Ruckers, Antuérpia, 1628) e a segunda no cravo do maestro Massimo Mazzeo, director da orquestra Divino Sospiro (Roberto Marioni, Pietrasanta, 2013, segundo o original de Ioannes de Perticis, Florença, 1681).

A gravação das duas peças que se seguem (a da Sonata K. 37 foi extraída da transmissão do recital em directo pela Antena 2) permite-nos apreciar as sonoridades dos dois cravos, ambas belas e tão distintas, e acima de tudo a música de Carlos Seixas, que parece correr nas veias de José Carlos Araújo e sair-lhe pelos dedos primorosos directamente para as teclas.





18.5.13

Wagner - 200 anos

"Die Walküre", cena do III acto (©)


Em tempo de comemoração do bicentenário do nascimento de Richard Wagner (22 de Maio de 1813), o Mezzo apresenta o Anel do Met. As quatro óperas serão transmitidas a partir de hoje, 18, até à próxima terça-feira, 21. Sempre às nossas 19h30. A produção é a tal da máquina de Robert Lepage, que Peter Gelb já decidiu afastar do palco do Met por tempo indeterminado. As críticas não foram as melhores, a máquina deu muitas chatices e a venda de bilhetes para a recente reposição parece que também não correu muito bem. É ver.

16.5.13

O wär ich schon mit dir vereint

Elvira Ferreira como Marzelline

Sobre o estado actual do Teatro Nacional de São Carlos não me apetece falar. Está como o resto do país, a definhar, à espera de melhores dias. Basta. Prefiro que ouçam esta pérola de 1994, quando Elvira Ferreira cantou o papel de Marzelline em "Fidelio". Soubesse eu por onde andará o meu programa de sala e diria aqui quem, com ela, compunha o elenco. De luxo, sim. Recordo que Nadine Secunde era Leonore e que a encenação de Paulo Ferreira de Castro era belíssima. O maestro era Thomas Fulton.

O wär ich schon mit dir vereint
Und dürfte Mann dich nennen!
Ein Mädchen darf ja, was es meint,
Zur Hälfte nur bekennen.
Doch wenn ich nicht erröten muss,
Ob einem warmen Herzenskuss,
Wenn nichts uns stört auf Erden -
Die Hoffnung schon erfüllt die Brust
Mit unaussprechlich süsser Lust,
Wie glücklich will ich werden!

In Ruhe stiller Häuslichkeit
Erwach ich jeden Morgen,
Wir grüssen uns mit Zärtlichkeit,
Der Fleiss verscheucht die Sorgen
Und ist die Arbeit abgetan,
Dann schleicht die holde Nacht heran,
Dann ruhn wir von Beschwerden.
Die Hoffnung schon erfüllt die Brust,
Mit unaussprechlich süsser Lust,
Wie glücklich will ich werden!

5.5.13

Fim-de-semana com teclas

O que faria um pianista se de repente lhe aparecesse um insecto não identificado no teclado? Dei comigo a pensar que Artur Pizarro* daria uma gargalhada sonora para o público, encolheria os ombros, enxotaria o bicho e continuaria a tocar; Maria João Pires pararia, sacudiria suavemente o bicho para que ele pudesse seguir o seu caminho e continuaria a tocar, enlevada pelo esvoaçar do animal; e etc., mas se calhar não seria nada assim.

Elisabeth Leonskaja

Elisabeth Leonskaja recolheu os braços levemente assustada, levantou-se, lançou o seu doce sorriso para o público e disse: "I'm sorry, there is something on the piano". Afastou-se por uns momentos, esperou que uma assistente de sala retirasse o bicho de cima do teclado e voltou a sentar-se. O recital continuou sem mais aparições. Era o último do ciclo de Sonatas para Piano de Schubert que a enorme, belíssima e magnífica Elisabeth Leonskaja apresentou no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian.
Só me foi possível assistir a este, que provou tratar-se de um momento alto da temporada. A Senhora Leonskaja brilhou nas duas sonatas da primeira parte (D. 279 e D. 625), porém com a última sonata de Schubert (D. 960) hipnotizou o público. Nem tosses houve entre os andamentos. O II então, Andante, foi sublime. Uma interpretação inesquecível.

 Elisabeth Leonskaja num excerto da Sonata D. 845 de Schubert (à falta do Andante da D. 960):

Mas aconteceram-me outras coisas muito boas neste fim-de-semana. Uma delas foi ouvir Partitas de Bach no cravo de José Carlos Araújo, na Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, aonde voltará nos dias 9 (mais Bach) e 16 (Carlos Seixas), sempre às 19 horas. Tente ir. É ali mesmo entre o Sheraton e a Maternidade Alfredo da Costa. Se não conseguir, sintonize a Antena 2, que transmitirá ambos os recitais em directo.

*Belíssimos os seus concertos (Schumann e Rach 2) nos Dias da Música do CCB.