29.9.07

Kasarova - A Crítica

Respondendo a vários pedidos, aqui deixo as minhas impressões sobre o concerto de ontem à noite, no Teatro Nacional de São Carlos. O programa está aqui e foi com ele que se inaugurou a nova temporada. Como a estrela era Vesselina Kasarova, foi ela quem salvou a noite, quase impondo ritmo e energia a uma orquestra amorfa, dirigida por um maestro jovem e com pouca experiência. Com Kasarova no palco, a orquestra seguia-a e parecia ganhar algum brilho.

Momentos altos foram as duas árias de Handel e Mozart que cantou na primeira parte: Scherza infida, de "Ariodante" e Parto, ma tu ben mio, de "La clemenza di Tito" (esta já prometia, a fazer fé no vídeo mais abaixo). Na segunda parte, Kasarova cantou outra ária de Handel, Sta nell'Ircana pietrosa tana, de "Alcina", e uma de Rossini, Pensa alla patria, de "L'italiana in Algeri" (uma ária demonstrativa característica do compositor, que permitiu à cantora exibir, com muito bom gosto, as suas qualidades técnicas e interpretativas. Brava!)

Mas quem é que se lembra de pôr Sara Braga Simões a cantar uma ária desinteressante e longa de Sousa Carvalho, a parecer interminável, logo a seguir ao Ariodante de Kasarova, que já se previa ser um dos grandes momentos da noite? Há aqui erros de programação gravíssimos. As duas cantoras portuguesas que integraram este elenco esforçaram-se imenso e podem ser razoáveis a nível interno, mas ficaram sempre a perder por não estarem ao nível da cantora búlgara. Parecia até uma maldade sádica de quem fez o alinhamento do concerto. Mesmo José Fardilha, que é um cantor experiente e tem carreira internacional, teve dificuldades em acompanhar Kasarova num dueto extra-programa de "O Barbeiro de Sevilha". É muito bonito querer dar oportunidades aos cantores portugueses de cantarem com os convidados de honra, mas não se pode expô-los com as suas fraquezas quando a comparação com o excelente lhes será implacável.

26.9.07

Ritornello - Petição - Notícias

As petições poderão não levar a nenhum lado, mas servem para fazermos ouvir a nossa voz. A petição "Ritornello" foi formalmente entregue na Antena2.

"Depois de uma série de tentativas consegui, com mais três subscriptores, ser recebido na Antena2 a semana passada. Entregámos formalmente a petição, e conversámos sobre o assunto Ritornello.
Da parte da Antena2 há neste momento uma atitude reservada, uma vez que se encontra a decorrer um processo judicial, mas entendemos que será muito difícil que a actual equipa de gestão volte a aceitar a colaboração do Jorge Rodrigues...
No entanto sentimos que foi útil este encontro, porque nos deu oportunidade de apresentarmos os nossos pontos de vista sobre o que nos parece ser uma certa degradação da programação da Antena2, para o que, naturalmente, o fim do Ritornello também veio contribuir.
Cumprimentos
Sousa Mendes"

Teatro de São Carlos - Vesselina Kasarova




















Do Barroco ao Bel Canto


28 de Setembro de 2007, às 21:00h

Wolfgang Amadeus Mozart
Le nozze di Figaro (Abertura)

George Frideric Handel
Ariodante, HWV 33 (1735)
Recitativo e Ária «E vivo ancora?... Scherza infida in grembo al drudo» (Ariodante)

João de Sousa Carvalho
Testoride Argonauta
Recitativo e Ária «Ah ingrato taci. Nasconderó nel seno» (Nicea)

Wolfgang Amadeus Mozart
Le nozze di Figaro
Recitativo e Ária «Tutto è disposto... Aprite un po quegl'occhi » (Figaro)

Marcos Portugal
Zaira
Recitativo e Ária «Oh ciel! Che dissi mai?... Frenar vorrei le lacrime» (Zaira)

Wolfgang Amadeus Mozart
La clemenza di Tito, KV 621 (1791)
Ária «Parto, ma tu ben mio» (Sesto)

Giuseppe Verdi
La forza del destino (Abertura)

Vincenzo Bellini
I Capuleti e i Montecchi
Recitativo e Ária «Eccomi in lieta vesta... Oh! Quante volte» (Giulietta)

George Frideric Handel
Alcina, HWV 34 (1735)
Ária «Sta nell'Ircana pietrosa tana» (Ruggiero)

Rinaldo
Ária «Sibillar gli angui d'Aletto» (Argante)

Gaetano Donizetti
Don Pasquale
Ária «Quel guardo il cavaliere» (Norina)

Gioachino Rossini
L'italiana in Algeri (1813)
Recitativo e Rondò «Amici, in ogni evento m'affido a voi... Pensa alla patria» (Isabella)


sopranos

Sara Braga Simões
Carla Caramujo

meio-soprano
Vesselina Kasarova

barítono
José Fardilha

direcção musical
Cornelius Meister

Orquestra Sinfónica Portuguesa

Parto, ma tu ben mio, de "La clemenza di Tito", de Mozart, que Kasarova cantará no Teatro de São Carlos. Aqui, no Festival de Salzburgo, o maestro é Harnoncourt.


D'amour l'ardente flamme, de "La Damnation de Faust", de Berlioz. Também em Salzburgo, Cambreling dirige a Staatskapelle Berlin.

(philopera)

Petição - Conservatório

O Guilhermina Suggia divulgou a petição "Alguém acuda ao Salão Nobre do Conservatório", dirigida ao Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sra. Ministra da Educação, Sra. Ministra da Cultura e Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

Sabemos a o que levam as petições, mas também conhecemos o estado de (des)conservação do Conservatório. Por isso, assinei.

24.9.07

O Adeus de Wotan - Bryn Terfel

Há quem não aprecie Bryn Terfel, mas também há quem o considere o maior baixo-barítono dos nossos dias, herdeiro de Hans Hotter e Dietrich Fischer-Dieskau. Quando se trata do Deus dos Deuses, o Wotan de "O Anel do Nibelungo", é difícil encontrar um outro cantor que esteja ao seu nível. Aqui, ele canta a sua despedida a Brünnhilde, no final de "A Valquíria". O maestro é Claudio Abbado, dirigindo a Orquestra do Festival de Lucerna.

Brünnhilde desobedeceu a seu pai, Wotan, ao tentar dar a vitória a Siegmund na batalha contra Hunding, o marido de Sieglinde, embora essa fosse a vontade original do deus. Wotan castiga Brünnhilde severamente. Com um beijo, retira-lhe a divindade. A valquíria ficará adormecida no seu rochedo, envolta nas chamas do fogo mágico de Loge, até que o maior de todos os heróis a venha acordar.

(P.S. A música é sublime e sublimemente interpretada. Brünnhilde acorda aqui e aqui.)

WOTAN (Wotans Abschied)
Leb' wohl, du kühnes, herrliches Kind!
Du meines Herzens heiligster Stolz!
Leb' wohl! Leb' wohl! Leb' wohl!
Muss ich dich meiden,
und darf nicht minnig
mein Gruss dich mehr grüssen;
sollst du nun nicht mehr neben mir reiten,
noch Met beim Mahl mir reichen;
muss ich verlieren dich, die ich liebe,
du lachende Lust meines Auges:
ein bräutliches Feuer soll dir nun brennen,
wie nie einer Braut es gebrannt!
Flammende Glut umglühe den Fels;
mit zehrenden Schrecken
scheuch' es den Zagen;
der Feige fliehe Brünnhildes Fels!
Denn einer nur freie die Braut,
der freier als ich, der Gott!

Der Augen leuchtendes Paar,
das oft ich lächelnd gekost,
wenn Kampfeslust ein Kuss dir lohnte,
wenn kindisch lallend der Helden Lob
von holden Lippen dir floss:
dieser Augen strahlendes Paar,
das oft im Sturm mir geglänzt,
wenn Hoffnungssehnen das Herz mir sengte,
nach Weltenwonne mein Wunsch verlangte
aus wild webendem Bangen:
zum letztenmal
letz' es mich heut'
mit des Lebewohles letztem Kuss!
Dem glücklichen Manne
glänze sein Stern:
dem unseligen Ew'gen
muss es scheidend sich schliessen.
Denn so kehrt der Gott sich dir ab,
so küsst er die Gottheit von dir!

Loge, hör'! Lausche hieher!
Wie zuerst ich dich fand, als feurige Glut,
wie dann einst du mir schwandest,
als schweifende Lohe;
wie ich dich band, bann ich dich heut'!
Herauf, wabernde Lohe,
umlodre mir feurig den Fels!
Loge! Loge! Hieher!
Wer meines Speeres Spitze fürchtet,
durchschreite das Feuer nie!


Wotan
Adeus, minha criança temerária e magnífica!
Tu, o orgulho sagrado do meu coração!
Adeus! Adeus! Adeus!
Tenho de te abandonar
e não voltarei a dar-te, com amor, a saudação.
Não tornarás a cavalgar a meu lado,
nem me trarás mais o hidromel.
Tenho de te perder, a ti, que eu amo,
tu, a alegria dos meus olhos.
Que arda aqui um fogo nupcial,
como nunca ardeu antes!
Que as chamas incandescentes incendeiem o rochedo
e com o seu terror afastem os medrosos.
Que os cobardes fujam do rochedo de Brünnhilde!
Só um libertará a noiva,
o que for mais livre que eu, o Deus!

Este par de olhos brilhantes,
que tantas vezes acariciei,
quando a tua valentia merecia um beijo,
quando um louvor aos heróis
fluía dos teus lábios de criança;
Este par de olhos luminosos,
que nas tempestades me sorria,
quando o desespero me consomia o coração,
quando o meu desejo procurava os prazeres do mundo
por caminhos tortuosos;
Que uma última vez eu os possa beijar,
com o último beijo do adeus!
Que ao homem feliz brilhe a sua estrela,
para o infeliz imortal ela apaga-se.
Assim se afasta o Deus de ti,
roubando-te a divindade com este beijo!

Loge, ouve! Aparece!
Como te vi pela primeira vez, como labareda,
como uma vez me desapareceste,
chama ardente.
Porque te submeti, agora te invoco!
Sobe, chama mágica,
Envolve o rochedo de fogo!
Loge! Loge! Aqui!
Aquele que temer a ponta da minha lança
jamais atravessará este fogo!

(Ver o "Adeus de Wotan" em Bayreuth, com Donald McIntyre e Gwyneth Jones)

(Wotan no valkirio)

23.9.07

Casa em Sintra - Poveri Fiori

No centro de Sintra, nas escadinhas que descem do antigo hospital da Misericórdia, está uma casa abandonada há MUITOS anos. Quando por lá passo, paro para cheirar as rosas-de-santa-teresinha do pequeno jardim e quase sempre acabo por colher uma. Não lhes resisto. Agora, os andaimes indicam que a casa vai ser finalmente recuperada. Veremos o que acontece à casa e às rosas.




































Poderá não vir muito a propósito, mas lembrei-me de Adriana Lecouvreur, de Cilea. Adriana (Montserrat Caballé), actriz da Comédie Française, descobre durante uma festa no palácio da princesa de Bouillon (Fiorenza Cossotto) que esta está apaixonada por Maurizio. Vencida pelo ciúme, quando a convidam a declamar, escolhe Fedra, de Racine, e aponta a princesa como mulher adúltera.

Giusto cielo! che feci in tal giorno? (Monólogo de Adriana)

(Oneguin65)

ADRIANA
E "Fedra" sia!

TUTTI
Udiamo ...

ADRIANA
... Giusto Cielo! che feci in tal giorno?
Già s'accinge il mio sposo col figlio al ritorno:
testimon d'un'adultera fiamma, ei vedrà
in cospetto del padre tremar mia viltà,
e gonfiarsi il mio petto de' vani sospir,
e tra lacrime irrise il mio ciglio languir!

Credi tu che, curante di Tèseo la fama,
disvelargli non osi l'orrendo mio drama?
Che mentire ei mi lasci al parente ed al re?
E raffreni l'immenso ribrezzo per me?

Egli invan tacerebbe! So il turpe mio inganno,
o Enon, né compormi potrei, come fanno ...
le audacissime impure, cui gioia è tradir,
una fronte di gel, che mai debba arrossir!

LA PRINCIPESSA
Brava! ...

TUTTI
Brava! Sublime!

MICHONNET
O sconsigliata, che mai facesti?

ADRIANA
(Son vendicata!)

LA PRINCIPESSA
(Un tale insulto! Lo sconterà! ...)
Restate!!! ...

ADRIANA
Chiedo in bontà di ritirarmi ...

A princesa vinga-se, enviando flores envenenadas a Adriana, que as cheira e morre. Mas não sem antes cantar uma lindíssima ária, em que fala das pobres flores, ontem nascidas e hoje já mortas, quais juras de um coração infiel.

Poveri fiori

(Oneguin65)

Poveri fiori

ADRIANA
Poveri fiori, gemme de'prati,
pur ieri nati, oggi morenti,
quai giuramenti d'infido cor!
L'ultimo bacio, o il bacio primo,
ecco v'imprimo,
soave e forte bacio di morte,
bacio d'amor.
Tutto è finito!
Col vostro olezzo muoia il disprezzo,
con voi d'un giorno senza ritorno cessi l'error!
Tutto è finito!

21.9.07

Notícias

Já há notícias da sementeira de plumérias do Miguel.

Ponta da Piedade

1 - Foeniculum vulgare - Funcho, também conhecido por erva-doce, anis-doce, maratro ou finóquio, ou fiuncho...
6 - As asas da libelinha, predador muito útil no controlo das populações de mosquitos e outros insectos.






18.9.07

Flores de Fim de Verão no Cabo da Roca

As flores silvestres começam a escassear, anunciando o Outono. Mas o Verão até nem foi demasiado seco e, olhando com atenção, encontramos algumas espécies que nos alegram as vistas. No Cabo da Roca, vi um cravo escondido entre os chorões, alguns exemplares de trovisco e, em quantidade bastante satisfatória, as cebolas-do-mar.

1 e 2 - Trovisco (Daphne gnidium)
3 - Cebola-albarrã ou cebola-do-mar (Ornithogalum maritimum = Urginea maritima)
4 - Cravo-de-Sintra(?) (Dianthus cintranus?)




17.9.07

Corísia Amarela - Cascais

Estão agora em flor, embora timidamente e rodeadas de automóveis estacionados, as corísias amarelas de Cascais, por trás da Igreja dos Navegantes (Largo Dr. Passos Vella).
Chorisia ou Ceiba insignis, como se lê no Dias com Árvores e no Mãos Verdes.




15.9.07

Dia de Callas - The Lisbon Traviata

Callas como Violetta no Teatro alla Scala, Milão, 1955

Há trinta anos, no dia 16 de Setembro de 1977, Maria Callas foi encontrada sem vida, no seu apartamento da Avenue Georges Mandel, em Paris (faria 54 anos em Dezembro desse ano).

Ainda muito nova, com 25 anos, já tinha cantado dois dos papéis mais difíceis de Wagner: Isolde e Brünnhilde (em Italiano). Mas logo se dedicou ao repertório dos compositores italianos, fazendo de Norma, Lucia di Lammermoor, Tosca e Violetta (La Traviata) as grandes personagens da sua vida. Foi precisamente neste último papel que se apresentou em Lisboa, em Março de 1958. Ao seu lado estava um tenor ainda desconhecido, Alfredo Kraus. A gravação de uma das récitas de São Carlos tornou-se célebre e é uma referência fundamental. Nos anos '80, Terrence McNally escreveu a peça The Lisbon Traviata, em que explora a obsessão por Callas e por esta gravação. A peça acabou por ter algum sucesso em Nova Iorque e em Londres.

Chegada a Lisboa

(WagnerOperas)

Excertos da Traviata de Lisboa (Callas Day)



O maestro Nicola Rescigno fala sobre a sua experiência com Callas na Traviata de Londres. Pedia-lhe para atacar a nota final de "Ah, fors'è lui" forte, para a voz não quebrar (quereria dizer "Addio del passato", perto do final da ópera). Callas respondia que se Violetta estava a morrer, era assim que tinha de ser: a voz quebrar-se-lhe-ia todas as noites. Também foi assim em Lisboa: "Ah! Tutto finì, or tutto finì". Divina.

(chessoperaspirit)


A "Morte de Isolda", gravada em 1957, com a Orquestra do Festival de Atenas, dirigida por Antonino Votto:

               

Dolce e calmo, sorridente,
Ei dischiude gli occhi belli.
Nol vedete?
Nol vedete?
Come chiara fiamma ei brilla.
Viva stella in alto ciel!
Nol vedete?
Come fiero balza il core?
Scorga in lui qual magico fonte!
Sul suo labro calmo appar
La dolcezza del sorriso.
Dite! Ah! Non lo vede alcun?
Odo io sola questo canto,
Voce arcana, voce pia,
Calma, pura come il pianto,
Dolce incanto, inno santo,
Che penetra l'esser mio,
Risuonandomi d'intorno?
Cresce, appressa, già m'invade.
Sei tu l'onda delle brezze?
Sei tu nube fatta d'incensi?
Che m'inonda, che mi avvolge.
Ch'io ti aspiri! Che in te spiri!
In te immersa e sommersa,
Sento l'esser mio svanire
Nel immenso ondeggiar,
Nel crescente clangor.
Nel fulgor d'una luce immortal!
Attratta... rapita...
Me smarrir!
Sommo ben!























(Callas no valkirio)

8.9.07

O mar azul e verde de Phi Phi


























Koh Phi Phi são duas ilhas: Phi Phi Leh, inabitada, e Phi Phi Don (esta constituída por duas ilhas ligadas por um istmo de areia).
O mar de Andaman é mesmo transparente, atingindo tonalidades azul-turquesa e verde-esmeralda verdadeiramente belas. Os corais e a variedade e quantidade de peixes são impressionantes e as cores ficam gravadas na memória. Como não tenho uma máquina fotográfica à prova de água, não os posso mostrar, mas asseguro que vi, nadando junto a uma anémona azul, um Nemo com três milímetros.





6.9.07

Em Memória de Luciano Pavarotti

No dia da morte de Pavarotti, aos 71 anos.
Ingemisco (do Requiem de Verdi)

(serkanuni)
Herbert von Karajan, Teatro alla Scala, Milão, Janeiro de 1967.

Ingemisco, tamquam reus,
culpa rubet vultus meus,
supplicanti parce, Deus.
Qui Mariam absolvisti,
et latronem exaudisti,
mihi quoque spem didisti.
Preces meae non sunt dignae,
sed tu bonus fac benigne,
ne perenni cremer igne!
Inter oves locum praesta,
et ab haedis me sequestra,
statuens in parte dextra.

4.9.07

Astrid Varnay Canta Wagner




















No dia 4 de Setembro de 2006, Astrid Varnay morria, aos 88 anos de idade. Dela dizia Wieland Wagner, neto do compositor, a propósito das encenações despojadas que produzia em Bayreuth nos anos '50: "Para que quero uma árvore no palco, se tenho Astrid Varnay?"
A sua estreia profissional deu-se em 1941, quando substituiu Lotte Lehmann no papel de Sieglinde (Die Walküre, de Wagner), na Metropolitan Opera de Nova Iorque. Seis dias depois, era Helen Traubel quem estava doente, sendo substituída por Varnay no papel de Brünnhilde. A partir daí, transformou-se numa das principais intérpretes wagnerianas: cantou Isolde, Kundry (Parsifal), Ortrud (Lohengrin), mas também a Elektra de Srauss. Pelo poder de enfeitiçar o público com a sua presença vocal, figura no panteão das grandes cantoras, perto de Kirsten Flagstad e Birgit Nilsson.

O "Despertar de Brünnhilde"*:

               

Estamos perto do final do III acto de Siegfried. Siegfried atravessou as chamas que envolvem o rochedo onde Brünnhilde dorme, desde o beijo da despedida de seu pai, o deus Wotan (no final de A Valquíria, aqui e ali). O jovem herói nunca vira uma mulher antes e fica fascinado com aquela beleza. Pensa tratar-se de um guerreiro. Beija-o na tentativa de o acordar e só então percebe, assustado, que afinal não é um homem. Brünnhilde acorda...

BRÜNNHILDE
Heil dir, Sonne!
Heil dir, Licht!
Heil dir, leuchtender Tag!
Lang war mein Schlaf;
ich bin erwacht.
Wer ist der Held, der mich erweckt'?

Salve, Sol!
Salve, Luz!
Salve, dia glorioso!
O meu sono foi longo;
acordei.
Quem é o herói que me acordou?
SIEGFRIED
(von ihrem Blicke und ihrer Stimme
feierlich ergriffen, steht wie festgebannt)
Durch das Feuer drang ich,
das den Fels umbrann;
ich erbrach dir den festen Helm:
Siegfried bin ich, der dich erweckt'.

(impressionado com o olhar e a voz de Brünnhilde,
fica petrificado)

Penetrei o fogo
que arde em torno do rochedo;
livrei-te do sólido elmo:
O meu nome é Siegfried. Fui eu quem te acordou.
BRÜNNHILDE
(hoch aufgerichtet sitzend)
Heil euch, Götter!
Heil dir, Welt!
Heil dir, prangende Erde!
Zu End' ist nun mein Schlaf;
erwacht, seh' ich:
Siegfried ist es, der mich erweckt!

(sentando-se)
Salve, Deuses!
Salve, Mundo!
Salve, Terra brilhante!
O meu sono chegou ao fim;
acordada, vejo:
Foi Siegfried quem me acordou!
SIEGFRIED
(in erhabenste Verzückung ausbrechend)
O Heil der Mutter, die mich gebar;
Heil der Erde, die mich genährt!
Daß ich das Aug' erschaut,
das jetzt mir Seligem lacht!

(irrompendo num arrebatamento sublime)
Salve, ó Mãe, que me deu à luz!
Salve, ó Terra, que me alimentou!
Para eu ver, feliz,
estes olhos que me riem!
BRÜNNHILDE
(mit größter Bewegtheit)
O Heil der Mutter, die dich gebar!
Heil der Erde, die dich genährt!
Nur dein Blick durfte mich schau'n,
erwachen durft' ich nur dir!

(com grande comoção)
Salve, ó Mãe, que te deu à luz!
Salve, ó Terra, que te alimentou!
Só o teu olhar me poderia ver,
Só para ti poderia acordar!
(Beide bleiben voll strahlenden Entzückens
in ihren gegenseitigen Anblick verloren)
O Siegfried! Siegfried! Seliger Held!
Du Wecker des Lebens, siegendes Licht!
O wüßtest du, Lust der Welt,
wie ich dich je geliebt!
Du warst mein Sinnen,
mein Sorgen du!
Dich Zarten nährt' ich,
noch eh' du gezeugt;
noch eh' du geboren,
barg dich mein Schild:
so lang' lieb' ich dich, Siegfried!

(ambos ficam num encanto resplandecente,
perdidos no olhar um do outro)

Ó Siegfried! Siegfried! Herói bem-aventurado!
Tu acordas a vida, luz vitoriosa!
Se tu soubesses, alegria do mundo,
como eu sempre te amei!
Tu eras o meu pensamento,
a minha inquietação eras tu!
Cuidei de ti,
antes de o sentires.
Antes de nasceres,
protegeu-te o meu escudo.
Amo-te há todo este tempo, Siegfried!

*Brünnhildes Erwachen, com Wolfgang Windgassen, tenor, e a Orquestra Sinfónica da Rádio da Baviera, dirigida por Hermann Weigert, em 1954.